Cuba

Una identità in movimento


Mesa-redonda "Os intelectuais e artistas cubanos contra o fascismo", efetuada nos estúdios da Televisão Cubana, em 14 de abril de 2003, "Ano dos gloriosos aniversários de Martí e do Moncada" (Parte I)


Randy Alonso — Muito boa tarde, estimados telespectadores e ouvintes.
Em momentos dramáticos e extremamente perigosos para a humanidade, quando o fascismo ressurge com a pretensão de exercer seu brutal domínio sobre o planeta, os intelectuais e artistas cubanos convocaram a criação de uma frente antifascista internacional.
Desenvolvemos nesta tarde a mesa-redonda "Os intelectuais e artistas cubanos contra o fascismo", em que me acompanham relevantes figuras de nossa cultura.
Estão no painel, nesta tarde, o companheiro Carlos Martí, poeta e presidente da União Nacional de Escritores e Artistas de Cuba; Roberto Fernández Retamar, poeta, ensaísta, Prêmio Nacional de Literatura e presidente da Casa das Américas.
Temos também a honra de contar com Pablo Armando Fernández, poeta, novelista, escritor e intelectual cubano e Prêmio Nacional de Literatura; Julio García Espinosa, um de nossos mais destacados cineastas, diretor da Escola Internacional de cinema de San Antonio de los Baños; Elíades Acosta, historiador, intelectual cubano e diretor da Biblioteca nacional "José Martí"; e Fernando Martínez Heredia, um de nossos mais destacados ensaístas, presidente da cátedra "Gramsci" do centro "Juan Marinello", do Ministério de Cultura.
Convidados, no estúdio, compartilham conosco hoje diversas personalidades da arte e da intelectualidade cubana; companheiros do Pólo Científico, do Ministério de Turismo, crianças do grupo teatral La Colmenita e, de maneira especial, acompanha-nos, nesta tarde, Abel Prieto, ministro de Cultura de nosso país.

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Randy Alonso — O Conselho Nacional da UNEAC, que se reuniu, no fim de semana, na capital cubana, divulgou uma declaração chamando à criação de uma frente antifascista.
Carlos Martí, por que esse chamado dos intelectuais cubanos, como se produziu, quais são as bases em que se sustenta essa convocação dos intelectuais e artistas de Cuba.

Carlos Martí — De fato, nesse momento que estamos vivendo, essa convocação é imprescindível. É um momento de extrema gravidade para nosso país e, é claro, essencialmente para a humanidade, pois se ativou uma maquinaria neofascista que já colhe os resultados de uma guerra de rapina contra o povo do Iraque. Ou seja, tornou-se imprescindível que nos reuníssemos, que refletíssemos sobre o momento atual, e finalmente chegássemos a um documento, como o que se aprovou ali, no Conselho Nacional, que vamos lançar ao mundo inteiro.
Quero mencionar alguns dos aspectos essenciais deste documento e da reflexão que escritores e artistas fizemos.
Primeiro, é preciso assinalar — como se coloca no documento — que esse neofascismo tem pretensões universais, e o perigoso é que não tem opositores armados, nem muro de contenção, nem nenhum tipo de força capaz de brecá-lo. Além disso, tem um poder devastador, capaz de aniquilar um país em questão de minutos. Este é um primeiro aspecto que o documento assinala.
O segundo aspecto que quero sublinhar é que o critério intervencionista que vem sendo imposto pelos Estados Unidos viola todos os acordos em matéria de Direito Internacional e pretende arrasar os irrenunciáveis princípios de soberania e autodeterminação dos povos.
Nosso povo pôde ver com toda a clareza como se impôs a guerra, apesar de não haver sido aprovado nas Nações Unidas.
Também se afirma no documento que está presente, hoje, a fatídica substituição do império da lei pela lei do império. Essa é uma afirmação muito importante, que está contida no documento em questão.
Um terceiro aspecto é a máquina de propaganda que se acionou; ou seja, a força da mídia. Todos os meios modernos, em função de apresentar os invasores como "forças libertadoras" ou como "coalizão" — uma palavra que tem certa nobreza —, e tratar de impor ou anunciar um critério supostamente democrático, quando, na realidade, nós vemos que o que ocorreu ali é o mais brutal genocídio. Isso não é nenhuma coalizão. São simplesmente as forças imperiais que desataram, unilateralmente, essa agressão contra o povo iraquiano.
Essa máquina, como se sabe, inunda cotidianamente o planeta, reiterando a mensagem de superioridade dos Estados Unidos e o papel messiânico que lhes é atribuído. Complementa-se, sem dúvida, com uma visão que nos converte, no Terceiro Mundo, a tudo o que não é Estados Unidos, ao outro, numa caricatura. Realmente é parte dessa máquina neofascista, que se foi acionando e se pôs em prática com a guerra do Iraque.
No entanto, apesar da enorme influência da mídia, foi abrindo caminho uma consciência antibélica, e vimos todos os dias, através das mesas-redondas e das informações que foram divulgadas, como essa consciência antibélica e antiimperialista conseguiu levantar os povos, vemos grandes manifestações em todas as partes do mundo e o setor intelectual, precisamente, também se levantou no mundo.
O manifesto "Não em nosso nome", assinado pelos mais importantes intelectuais norte-americanos, é prova disso.
É justo recordar também que nós, em todo esse tempo em que estivemos trabalhando contra a guerra, e tratando de refletir sobre esse fenômeno neofascista, distinguimos perfeitamente que uma coisa é o governo dos Estados Unidos, que está atuando dessa maneira, e outra coisa é o melhor da cultura norte-americana e seu povo; de maneira que recordamos que a UNEAC, em 4 de julho do ano passado, celebrou a independência norte-americana, tratando de distinguir entre o governo imperialista, a máquina neofascista, e a grande cultura norte-americana, que está representada, exatamente, por aqueles que firmaram o documento "Não em nosso nome". Trata-se, portanto, de várias ações que se empreenderam.
Posso mencionar também que, quando começou a guerra, fizemos uma oficina "Não à guerra" na sede da UNEAC e nas províncias, e por elas passaram escritores e artistas, emitindo suas opiniões contrárias à guerra e trabalhando junto com a população que se reuniu ali.
Essa oficina abriu-nos o caminho para o Conselho Nacional e para levar a luta e abrir a reflexão sobre esse programa neofascista.
Outro aspecto que esse documento coloca é que, depois do que ocorreu, de maneira repudiável, em 11 de setembro, aqueles fatos se converteram num pretexto para implantar uma política preconcebida de dominação e saqueio universais. Pessoalmente, considero uma autoprovocação, um gigantesco Maine, para impor esse tipo de agressões ao mundo.
Ou seja, que a pretensa luta contra o terrorismo facilitou um desdobramento sem precedentes em armas e recursos, um esplêndido negócio, que sempre foi o sonho do complexo militar-industrial.
Estamos diante de um despojo dos recursos do mundo, das riquezas dos povos; mas, ainda pior que na época colonial, porque as armas são mais sofisticadas, e estão nas mãos da maior potência imperial já vista; a situação, portanto, é realmente crítica.
Esses aspectos estão contemplados em nosso documento, e o que denunciamos, essencialmente, é o sinistro propósito de implantar ou impor uma tirania mundial neofascista. Esse é um conceito que fica claro.
Os escritores e artistas cubanos nos pronunciamos por semear idéias, semear consciência, como foi proclamado no 150º aniversário natalício de José Martí.
Creio que as sessões de nosso Conselho nacional foram verdadeiramente memoráveis e que não ficarão nisso; mais adiante, falarei sobre um programa de trabalho, temos de concretizar as decisões desse Conselho Nacional.
Recordo uma excelente intervenção feita ali pela doutora Graciella Pogolotti, quando afirmava que se avançou muito na denúncia do programa de globalização neoliberal no terreno econômico; mas que é preciso, igualmente, avançar no desmonte do pensamento da ultradireita e sua doutrina neofascista. Recordei também um incidente em que um conhecido nazista, no ano de 1936, fez uma brutal afirmação: "Quando ouço a palavra cultura, pego meu revólver", e temos aqui presente o Roberto Fernández Retamar, que, no Congresso Cultural de Havana, em 1968, contestou a essa afirmação fascista para todos os tempos, com uma afirmação humanista para todos os tempos: "Quando ouço a palavra fascismo, pego minha cultura". Ou seja, agora temo de mobilizar o talento, as idéias, o pensamento. A reflexão deve impor-se, abrir caminho, para que realmente possamos criar uma frente antifascista em escala universal.

Randy Alonso — Uma frente, Carlos — como diz o documento —, que tem de enfrentar o programa expansionista que fundamenta essa agressão e que foi elaborado pela ultradireita norte-americana, herdeira do pensamento daqueles que — em sua época — José Martí, com assombrosa visão histórica, denunciou. Essa posição da intelectualidade cubana tem sua semente e sua base no pensamento de nosso Herói Nacional.
Sobre a política imperial norte-americana, a reflexão feita por José Martí, há mais de um século, é a opinião em nossa mesa-redonda do destacado estudioso da obra de Martí e grande intelectual cubano, Cintio Vitier.

Cintio Vitier — Vamos fazer algumas considerações sobre a forma como José Martí viu a política norte-americana.
Todos sabemos quais eram os Estados Unidos que Martí admirou e quis. Bem, os Estados Unidos de Lincoln, a quem ele chamou de lenhador de olhos piedosos; dos grandes poetas, dos grandes pensadores norte-americanos; dos lutadores sociais, dos abolicionistas, sem dúvida; dos filantropos, dos índios e dos negros.
Como exemplo do que dizemos, de como ele viu a política já em seu tempo e como previu seu futuro, temos um artigo de 1885 realmente surpreendente, intitulado: A política de assalto, onde diz coisas como estas: "... esses novos tártaros, que vagueiam e devastam à moda moderna, montados em locomotivas; esses colossais rufiões, elemento temível e numeroso desta terra sangüínea, empreendem sua política de pugilato, e, recém-chegados da selva, vivem na política como na selva, e onde vêem um fraco comem dele, e veneram em si a força, única lei que acatam, e se olham como seus sacerdotes, e como com certa superior investidura e inato direito a tomar quanto alcance sua força".
Esta é realmente, a raiz desse tipo de política que foi, sem dúvida, intensificando-se até os nossos dias; mas, ao mesmo tempo, Martí, alguns anos depois, a propósito dos planos que ele previa que estavam sendo preparados para a intervenção dos Estados Unidos na guerra de Cuba, na guerra que ele estava organizando, isso já no ano de 1889, refere-se a esses planos e diz: "Coisa mais covarde não há, nos anais dos povos livres, nem maldade mais fria". Aqui ele já percebe outro elemento que irá se apoderando da política norte-americana, que é o da frieza, da astúcia, e isso nos recorda e nos estremece pensar no aforismo, na sentença de José de la Luz y Caballero: "A frieza, matéria-prima da maldade".
É evidente que as previsões martianas acerca do chamado destino manifesto estão atingindo, em nossos dias, uma confirmação catastrófica, à parte de que, realmente, sentimos a possibilidade de um contrapeso esperançoso na parte mais saudável do povo norte-americano: na consciência de seus intelectuais, de seus artistas, que, ademais, estão somando-se, indiscutivelmente a um clamor, pela primeira vez universal, contra a guerra.
Percebe-se, cada vez mais, a magnetização de uns sucessos com outros.
A brilhante intervenção de nosso Ministro das Relações Exteriores, diante do Conselho Nacional da UNEAC, mostrou e demonstrou a astuta, fria e não por isso menos instintiva planificação da superpotência, que se propôs apoderar-se do planeta como de um todo indistinto.
Já a política de assalto vai se convertendo em política de arrasamento, e diante desses sucessos e dessa situação pavorosa em escala mundial, não é exagerado denunciar sua entranha fascista ou nazi-fascista, como ontem nos dizia Fidel, com a agravante de uma hipocrisia, filha, precisamente, da frieza, que não foi praticada por Hitler nem por Mussolini.
A bandeira que agora se alça como pavilhão do luto universal é nada menos que a "democracia". Ao cerrar fileiras numa frente internacional antifascista, como se propõe nesta declaração, neste documento da UNEAC, comprometem-nos nossos heróis, nossos mártires, nossos pensadores, nossos artistas, nossos poetas fundadores, enquanto porta-vozes e parte essencial de nosso povo; eles já são, de fato, desde Varela, passando por Martí até nossos dias, essa frente em nós, dentro de nós. Eles também nos impulsionam a crer, com Martí, no melhoramento humano, impedindo em nossos atos — e isso me parece essencial — toda mancha de ódio e nos pondo a cada dia mais a serviço dos pobres da terra.

Randy Alonso — Retamar, Cintio Vitier evocava a raiz dessa posição dos intelectuais cubanos, que nos vem desde Martí; mas, com Martí, há outros importantes antecedentes que acompanham ao chamado da intelectualidade cubana a uma frente antifascista internacional, e gostaria que você, a partir dessa rememoração histórica, nos ajudasse a compreender os antecedentes, mas também as bases desse chamado de nossos escritores e artistas.

Roberto Fernández Retamar — Cintio, de maneira magnífica, assinalou o papel fundamental das análises martianas dos Estados Unidos, análises em que ele sempre soube distinguir, com toda a clareza, entre o que chamou a pátria que amamos, de Lincoln, e a pátria que tememos, de Cutting: esta é uma linha de que ele nunca se afastou.
Antes ainda de Martí, há singulares previsões dos males que nos podiam advir dos então juvenis, mas já rapaces, Estados Unidos. Uma dessas previsões é do próprio Bolívar — e está citada no documento da UNEAC —, seis anos depois de emitida a Doutrina Monroe, o que, como se sabe, foi em 1823. Bolívar diz numa carta: "Os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a infestar a América de misérias em nome da liberdade". E isso tem relação com o que Cintio dizia: com a hipocrisia, ou seja, utilizar termos como "democracia" e "liberdade" para mascarar seus verdadeiros propósitos.
Algum tempo depois, seria emitida a Doutrina do Destino Manifesto, e pode-se dizer que a Doutrina Monroe e a Doutrina do Destino Manifesto continuam sendo essenciais na política exterior dos Estados Unidos. A nossa América coube o triste privilégio de ser a cobaia inicial dessa política. Hoje em dia, essa política abarca todo o planeta e, por isso, chamamos à criação de uma frente mundial contra o neofascismo.
A propósito de Martí, antes de passar a outros exemplos, eu gostaria de recordar também suas imprescindíveis análises das primeiras Conferências Panamericanas: a que ocorreu entre 1889 e 1890, e a que ocorreu em 1891, ambas em Washington. Citarei apenas algumas linhas relativas a esse último congresso. Disse então Martí: "Crêem na necessidade, no direito bárbaro como único direito: 'Isto será nosso, porque o necessitamos.'" Bem, não se pode dizer com menos palavras e com mais clareza o propósito, que continua vigente, mais de um século depois.
O imperialismo continuou desenvolvendo-se — Martí o viu surgir, é possível que suas análises tenham sido as primeiras análises concretas sobre o imperialismo — por todo o mundo e levou, sem dúvida, a uma crescente atitude antiimperialista.
Em 1927, celebrou-se em Bruxelas um memorável congresso antiimperialista, no qual esteve presente Julio Antonio Mella, cujo centenário natalício estamos comemorando. Mella leu ali comunicações redigidas por seu fraternal Rubén Martínez Villena. Esse foi um congresso verdadeiramente importante, ao qual enviaram saudações personalidades como Einstein, por exemplo, e havia uma série de grandes lutadores, depois chamados a ter um papel muito importante na história.
Entretanto queremos insistir em antecedentes ainda mais específicos de nossa posição, de nossa declaração. Teríamos de pensar no momento que o fascismo declarado se converte numa força invasora do planeta. Sabemos que o fascismo se estabelece pela primeira vez, em 1922, na Itália, sob Mussolini, e em 1933, numa forma ainda mais agressiva, mais bárbara, na Alemanha hitlerista, a Alemanha nazista, e é esta presença do fascismo, que se estendia sobre o planeta como uma sombra, que leva a que um grupo de intelectuais realize em Paris, em 1935, o Primeiro Congresso de Intelectuais Antifascistas, o Primeiro Congresso em Defesa da Cultura. Esse congresso celebrado em Paris, em 1935, certamente será evocado em outras ocasiões nesta mesa. Ali houve intervenções muito importantes, como as de Bertolt Brecht.
Dois anos depois, o fascismo cresceu ainda mais, pôs sua garra sobre a Espanha republicana e iniciou a guerra em 1936, a infausta Guerra Civil Espanhola; e então, em 1937, celebrou-se um Segundo Congresso de Intelectuais Antifascistas, um Segundo Congresso em Defesa da Cultura, que se realizou principalmente em Valencia, tendo, inclusive, uma continuidade em Paris. Esse congresso foi capital. García Márquez classificou-o de um dos poucos congressos dessa natureza verdadeiramente transcendentes na história. Cuba teve o privilégio de estar representada nesse congresso por figuras iminentes, como Alejandro Carpentier, Nicolás Guillén, Juan Marinello, Félix Pita Rodríguez, Leonardo Fernández Sánchez. Foi um congresso que reuniu uma grande quantidade de intelectuais de primeira linha do mundo inteiro, e esse congresso foi celebrado sob as bombas; esse congresso ocorreu em meio ao combate pela liberdade que estava travando, desgraçadamente sem êxito, o magnífico povo espanhol. Para citar antecedentes de nossa posição, é preciso destacar muito esse congresso, e não fomos os únicos a destacar um antecedente dessa natureza.
Desgraçadamente, o mundo voltou a ver renascer o fascismo, que tinha sido derrotado militarmente em 1945: estamos diante de uma nova expansão do neofascismo, e é muito bonito — Carlos já o mencionou, e certamente será mencionado novamente — que um grupo notabilíssimo e numeroso de destacados intelectuais estadunidenses tenha retomado a bandeira de rechaçar essas violências, e refiro-me concretamente ao manifesto já mencionado "Não em nosso nome", um manifesto subscrito por muitos dos mais brilhantes intelectuais estadunidenses.
Penso em figuras como Edward Said, a quem, daqui a 48 horas, vão homenagear, pelos 25 anos da publicação de seu grande livro Orientalismo; penso em Noam Chomsky; penso em muitíssimos artistas de cinema, muito corajosos, que certamente também serão mencionados novamente na mesa.
Esse manifesto quase não tem par na história dos Estados Unidos. Recorda-me o "Manifesto dos 121", dos franceses, no princípio da década de 60, quando apoiaram a guerra de libertação da Argélia; mas este de agora é numerosíssimo. O dado que tenho é de que há mais de 20.000 pessoas que já o assinaram: um documento que em princípio não tinha maneira de ser publicado, porque a imprensa não queria acolhê-lo naquele país, e no final tiveram de comprar uma página de um jornal, para que a declaração aparecesse, e que depois reapareceu em muitas ocasiões e teve uma repercussão muito grande.
Por exemplo, na Europa, algum tempo depois, publicou-se um manifesto com o nome "Contra a barbárie", e esse manifesto diz explicitamente: "Fazemos nosso o chamamento Não em nosso nome, dos intelectuais e artistas estadunidenses que se negam a permitir que seu governo leve a cabo, em seu nome, seus planos de espólio e extermínio", etc. Ou seja, teve uma repercussão européia.
E mais recentemente — ainda não foi publicado por nossas publicações, por nossas revistas, como deverá ser — divulgou-se, no princípio deste mês, um manifesto do chamado Comitê Internacional de Intelectuais contra a Guerra, no mesmo espírito, solidarizando-se com os intelectuais estadunidenses, e esse novo manifesto está assinado, sobretudo, por intelectuais latino-americanos.
Menciono esses precedentes porque não estamos em presença de uma atitude solitária de nossa parte, ao contrário, estamos muito conscientes de que fazemos parte de um coro, de uma frente que se opõe vivamente ao neofascismo e que está recebendo uma grande acolhida dos povos do mundo todo.
Milhões de homens e mulheres desfilaram, em toda parte, contra a guerra e a favor da paz, milhares de intelectuais estão assinando documentos, realizando obras de arte, participando de atividades muito variadas com esses fins.
Nosso gesto é um gesto — repito — que se soma a muitíssimos outros, e estamos certos de que, apesar de não existir um cerco militar contra o neofascismo, o cerco dos povos, o cerco da opinião pública, o cerco dos intelectuais será suficiente para impedir que o neofascismo triunfe sobre o planeta e assim ponha em risco de extinção a espécie humana.

Randy Alonso — Obrigado, Retamar, por suas reflexões.

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Randy Alonso — Se a filosofia de Hegel, Nietzsche, Schopenhauer deram vida e paixão aos criadores do holocausto do século XX, espécimes menos cultos e de menor prosápia intelectual, mas mais pragmáticos, alentam a quadrilha fascista do século XXI.
Autores de cabeceira da atual administração norte-americana são o bostoniano Henry Cabot Lodge, que afirmou que "No século XIX nenhum povo igualou nossas conquistas, nossa colonização e nossa expansão, e agora nada nos deterá"; também Marse Henry Watterson, que declarou que os Estados Unidos "são uma grande república imperial, destinada a exercer uma determinante influência na humanidade, e a modelar o futuro do mundo, como nenhuma nação antes, nem mesmo o Império Romano"; ou Charles Krauthemer, que há pouco escreveu no Washington Post: "Os Estados Unidos cavalgam pelo mundo como um colosso. Desde que Roma destruiu Cartago, nenhuma outra potência alcançou as alturas a que chegamos. Os Estados Unidos ganharam a guerra fria, puseram a Polônia e a República Tcheca no bolso e depois pulverizaram a Sérvia e o Afeganistão. E de passagem demonstrou a inexistência da Europa".
E há também Zignew Brzezinski, que declarou que "o objetivo dos Estados Unidos deve ser o de manter a nossos vassalos num estado de dependência, garantir a docilidade e a proteção de nossos súditos e prevenir a unificação dos bárbaros".
É a doutrina que sustenta à administração norte-americana de hoje, a que se coloca — como dizia Retamar — um novo "destino manifesto": implantar uma ditadura fascista mundial; um neofascismo e uma ditadura que está alentada e que tem, dirigido às grandes massas, um vasto poder de mídia, que utilizaram durante toda essa administração e que teve, sem dúvida, um papel fundamental nessa guerra desatada contra o Iraque, em que os meios de comunicação foram outra arma de batalha sofisticada e tecnológica com que os Estados Unidos contaram.
Sobre o papel desempenhado por esse poder da mídia na implantação do neofascismo norte-americano, peço a Elíades Acosta suas reflexões nesta mesa-redonda.

Elíades Acosta — Bem, Randy, é muito interessante escutar, por exemplo, o nome de Henry Cabot Lodge, a que você se refere. Foi um dos grandes amigos de Theodore Roosevelt e dos promotores da invasão norte-americana e da expansão no ano de 1898, começando assim o que se deu por chamar "O Século Americano", que tem, exatamente nestes dias, com a guerra do Iraque, sua entrada numa fase qualitativamente diferente.
Na Declaração da UNEAC colocava-se, com toda a razão, que à guerra preventiva e à guerra relâmpago, acrescenta-se, por parte dos Estados Unidos, um poderoso sistema de propaganda e desinformação.
Eu tenho também em minhas mãos um livro que vale a pena recordar, e este rosto (mostra o livro com a imagem de Hitler), porque suponho que também pode ser um dos livros de cabeceira desses senhores: o livro Minha luta, de Adolf Hitler. Creio que também vale a pena voltar a falar sobre essa ideologia, porque é a que estamos vendo no mundo atualmente.
O fascismo foi sumamente hábil na hora de usar para seus fins todas as ferramentas de propaganda, que eram primitivas, se comparadas com as que existem atualmente para desinformar.
Vou citar três exemplos daqueles momentos, daquele fascismo de Hitler: por exemplo, o uso de conceitos como nacional-socialismo, para definir seu partido, sendo precisamente um partido da burguesia, que o que pretendia era brecar o avanço do socialismo e do comunismo na Europa e no mundo; o uso do negro e do vermelho entre seus emblemas, que eram cores usualmente empregadas como símbolos na luta dos trabalhadores, e as palavras "companheiro" e "camarada" para o tratamento dos fascistas entre si.
Isso demonstra a astúcia, a frieza desses ideólogos, a que se referia Cintio. O trabalho de Goebbels é conhecido, e sabe-se tudo que recomendou sobre o uso da mentira para dominar as massas.
A máquina de propaganda que estamos vendo atuar retoma aquelas experiências e as leva a extremos insuspeitados. Estamos vendo não apenas escamotear-se a verdade, senão tratar de que o espectador normal, o homem que recebe as mensagens da mídia se mantenha passivo e, portanto, converta-se num cúmplice da barbárie e do crime.
Há pouco Retamar mencionava o caso do Congresso de Paris de 1935, do Primeiro Congresso em Defesa da Cultura, e gostaria de mencionar algumas palavras de Bertolt Brecht, o grande dramaturgo alemão, que foram pronunciadas então ali, quando se via o fascismo avançar na Europa, e Brecht alertava sobre um mecanismo de dominação das massas, um mecanismo psicológico que foi usado então e é usado neste momento.
Cito a Bertolt Brecht: "Um homem é golpeado, e o espectador da cena desmaia, Claro que é natural. Quando chega o crime como a chuva que cai, já ninguém grita: "Pare! Não existe meio de impedir o homem de virar a cara diante da abominação? Por que vira a cara? Vira a cara porque não vê nenhuma possibilidade de intervir; o homem não se detém na dor de outro, se não pode ajudá-lo".
Esse mecanismo é precisamente um dos mecanismos de dominação e de desinformação que mencionamos.
Mas as manifestações contra a guerra a que se referia Retamar demonstram que esse mecanismo de dominação não é infalível, e que muitas pessoas sentem que têm capacidade para influir sobre a marcha da política universal.
No caso da Venezuela, por exemplo, bem conhecido do público cubano, e agora no caso do Iraque, ocorreu algo muito interessante, quanto aos métodos de dominação e à mentira, tão utilizados pelo fascismo, e é que os mecanismos de dominação se transparentizaram. Ou seja, as pessoas puderam ver e experimentar por si mesmas como se produz esse colossal engano e como se trata de transtornar a verdade, para conseguir passividade e cumplicidade.
Já se torna difícil enganar da mesma forma, e creio que essa é uma das possíveis vantagens colaterais trazidas por um conflito tão desastroso como esse do Iraque.
Eu gostaria também de referir-me brevemente — e a doutora Graziella Pogolotti mencionou-o muito acertadamente nesse extraordinário pleno do Conselho Nacional da UNEAC — ao que está subjacente à guerra e a esse surto do fascismo, e tenho em mãos um documento de 3 de junho de 1997, que se chama "Programa para um Novo Século Americano". É um programa — repito — do ano de 1997, redigido por um grupo de falcões, um grupo do que seria o "partido da guerra", que levou seu país à guerra do Iraque e que está por trás das próximas agressões que serão realizadas. Entre eles, estão Elliott Abrahms, William Bennet, Jeb Bush, Dick Cheeney, Francis Fukuyama, o de O fim da história; Dan Quayle, Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz.
Esse documento é a plataforma ideológica do que estamos vendo, e essa guerra é seu braço armado; mas o pensamento, a reflexão que sustenta o que ocorreu, parte de dizer que a doutrina de segurança nacional dos Estados Unidos está numa etapa de decadência — eram os tempos da administração Clinton — e que é necessário tomar vigorosas medidas para garantir o futuro século americano, ou seja, o que vivemos agora. É muito interessante, porque, por várias vezes, fala-se, no documento, em guerra preventiva.
Todos recordamos as películas do Oeste, e que no Oeste só subsistia aquele que sacava primeiro o revólver e disparava; somente os mais rápidos e os mais fortes. Estamos, então, uma vez mais, na época da "Lei do Revólver", só que em escala universal e com mísseis Tomahawk.
Tenho aqui também — pois tem a ver com este tema — uma declaração de um oficial do FBI, de setembro de 2002, tratando de explicar a um grupo de bibliotecários norte-americanos por que o FBI tinha direito a ter acesso aos dados das solicitações de leituras feitas por seus usuários. Foi uma tentativa infrutífera, não conseguiu nada: os bibliotecários não se deixaram convencer, nem sequer pôde terminar sua discussão; mas o interessante é o argumento que maneja esse oficial, demonstrativo da vigência da "Lei do Revólver".
Diz textualmente: "No passado, quando púnhamos a alguém na cadeia, era depois de haver cometido um crime. No presente, pomos uma pessoa na cadeia para prevenir que possa cometer um ataque terrorista".
Quer dizer que qualquer pessoa (ou país), ainda que não tenha cometido nenhum delito, pode ser submetido a um castigo.
Nessa plataforma do projeto "Por um Novo Século Americano", há conceitos que são realmente muito ilustrativos do que estamos explicando.
Por exemplo, repetem-se várias vezes conceitos arrepiantes: defesa preventiva, liderança global, aproveitar desafios e oportunidades, estamos indefesos diante das ameaças globais, é preciso promover os princípios americanos; é preciso ter prudência na forma como se exerce o poder, mas não devemos deixar de exercê-lo por temor ao que nos pode custar; é vital para os Estados Unidos manter um papel ativo na defesa da paz no mundo. Para eles, o mundo se reduz a Ásia, Europa e Oriente Médio; nem África, nem América Latina são mencionados expressamente no documento.
"É preciso golpear antes que surjam as crises, é preciso fortalecer os nexos com os aliados democráticos" — já sabemos quem são os aliados democráticos tradicionais dos Estados Unidos — "é preciso desafiar os regimes hostis aos interesses e valores dos Estados Unidos" — quer dizer, o que fizeram com o governo iraquiano entra nesta estratégia —, "é preciso promover a causa da liberdade política e econômica" — o neoliberalismo e a globalização —, "é preciso expandir uma ordem favorável à segurança, prosperidade e princípios dos Estados Unidos", etc., e terminam com uma citação que é tão eloqüente, que não resisto a lê-la, e diz: "Essa política reaganista" — muitos deles foram funcionários de Reagan e de Bush pai —, "de fortalecimento militar e clareza moral" — ou seja, de expressar despudoradamente o que querem e a que vão —, "pode não estar na moda hoje, mas é necessária para que os Estados Unidos mantenham os êxitos do século passado e ampliem nossa segurança e grandeza no próximo".
Um país democrático nunca fala de grandeza; quem fala de grandeza são os impérios.
Preocupa o que ocorreu em Bagdá, a destruição, o saqueio, frutos da guerra... Vimos cenas dantescas, que cobriram de dor a todo homem sensível e, sobretudo, aos intelectuais e artistas do mundo todo; foram saqueados 174.000 objetos patrimoniais, a história de mais de 7.000 anos de Iraque: o Museu Nacional, o Museu Arqueológico, o Teatro de Bagdá... Hoje se fala — chegam notícias muito tristes — do saqueio e provável incêndio da Biblioteca Nacional do Iraque, tudo isso com uma estranha cumplicidade do ocupante militar, com uma estranha passividade.
Os Estados Unidos são peritos em controle de multidões, são peritos em toques de recolher, são peritos em lei marcial; entretanto não puderam aplicar nada disso em Bagdá, e estamos vendo aí — em minha opinião pessoal — uma tentativa de transformar em vilão um povo que lhes ofereceu uma resistência inesperada. Estão tratando, com esses métodos de desqualificação na imprensa, que são métodos fascistas, de demonstrar que esse povo é um povo propenso ao roubo, ao saque, à destruição, sem nenhuma cultura.
Há antecedentes disso, muitos antecedentes. Por exemplo, na primeira ocupação militar norte-americana em Santiago de Cuba, no ano de 1898, saquearam, destruíram, roubaram, trouxeram especialistas da Biblioteca do Congresso para carregar os livros que saqueavam, levaram relíquias religiosas, levaram obras de arte, trocaram por alimentos valores patrimoniais da população faminta, levaram lembranças. Como fizeram agora com a estátua de Sadam, por exemplo, lá em Santiago de Cuba fizeram com a Árvore da Paz, foi preciso colocar alguns vigias, para evitar que continuassem destruindo-a.
Estamos, portanto, diante de uma profunda filosofia do despojo e da mentira, e creio que isso é realmente uma amostra de que estamos entrando em épocas terríveis, e que todo homem e mulher sensíveis do planeta devem estar alerta, como estiveram os povos a partir do Congresso de Paris em 1935, ou do de Valencia em 1937, diante da barbárie, que não é outra coisa senão essa filosofia do imperialismo norte-americano e seus aliados.

Randy Alonso — Uma filosofia, Elíades, que, inclusive, hoje mesmo eu estava lendo no jornal The New York Times, um artigo de opinião de William Saffire, um dos colunistas mais importantes do The New York Times, representante dessa ultradireita norte-americana, intitulado "A melhor defesa", e é a defesa, até as últimas conseqüências, por esse homem, do que se denomina política preventiva.
Faz referência ao famoso campeão norte-americano dos pesos pesados, Jack Dempsey, que dizia que a melhor defesa é uma boa ofensiva, e diz William Saffire: "Essa é a essência de nossa política de prevenção, os Estados Unidos não esperarão para ganhar a simpatia do mundo como vítima, senão que se defenderá a si mesmo, atacando primeiro", é um artigo realmente em defesa do sustentado por essa administração neofascista: converter o ataque preventivo em sua doutrina de política exterior para o mundo, e essa é — segundo eles — a melhor defesa do povo norte-americano. É a mesma política de que falava Hitler, na época em que governou a Alemanha, e em que também proclamava a necessidade do ataque preventivo, para defender o povo alemão e impor sua superioridade.
Não há dúvida de que são os nexos dessa administração norte-americana não apenas com esse pensamento de ultradireita, que já vem desde antes, senão também com o pensamento propugnado pelo fascismo hitlerista.
Obrigado, Elíades, por seus comentários.

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Cuba. Una identità in movimento

Webmaster: Carlo Nobili — Antropologo americanista, Roma, Italia

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